Por Denise Marinho
Nós, integrantes da ACC Memória
Social: audiovisual e identidades, tivemos a rica oportunidade de percorrer a
região sisaleira do Estado da Bahia. Na ocasião, pudemos
conhecer importantes experiências de comunicação participativa, trabalhos
realizados em alguma cidades da região e que têm como objetivo principal
promover o acesso à informação.
O território do Sisal, mais conhecido
como região Sisaleira da Bahia, está localizado no semiárido do nordeste do
estado (a pouco mais de 200 km de Salvador). São quase 800 mil habitantes,
distribuídos em 20 municípios. Foi denominada assim por conta da grande
predominância da planta do sisal, planta resistente à aridez e ao sol intenso
do sertão nordestino, e que é utilizada para fins comerciais. Atualmente,
a região abriga uma das maiores indústria têxtil de Sisal do mundo, a APAEB, na
cidade de Valente, produzindo carpetes, tapetes, capachos e fios.
A nossa primeira parada foi na cidade
de Retirolândia. Lá, visitamos a Agência Mandacaru de Comunicação e Cultura,
fruto do Movimento de Organização Comunitária. O MOC, como é popularmente
conhecido, é uma ong de Feira de Santana que tem como objetivo o
desenvolvimento do semiárido baiano. No ano de 2002, o movimento empreendeu o
projeto Comunicação Juvenil, que visava a capacitação de jovens da região na
área da comunicação social. Desse projeto nasceu a Agência Mandacaru de
Comunicação e Cultura, formada por 20 jovens capacitados através do programa, e
que vislumbraram a chance de também poder atuar como transformadores da
realidade da sua região. Hoje, a equipe é composta por jornalistas, radialistas
e outros profissionais.
Entre os jovens que colaboram com o
trabalho da agência, conhecemos Laudécio Carneiro, jovem de 23 anos, estudante
do curso de Radio e TV Uneb (Universidade Estadual da Bahia).
Laudécio é um exemplo de superação, vítima do trabalho infantil, teve a sua
trajetória transformada depois de ser acolhido pelo PETI (Programa de
Erradicação do Trabalho Infantil). Através do programa teve acesso a uma vida
que antes era bastante improvável. Ao sair dos campos de lavoura, pode estudar
e começar a construir um futuro bem diferente do de seus pais e avós.
Hoje, além de ser um dos diretores da agência, Laudécio ainda atua como
Conselheiro Tutelar do município de Retirolândia, contribuindo para o
desenvolvimento de crianças e jovens com histórias parecidas com a dele.
Segunda parada: município de Valente.
O objetivo da nossa ida à Valente foi conhecer a APAEB (Associação de
Desenvolvimento Sustentável e Solidário da Região Sisaleira). A APAEB é uma das
mais bem sucedidas experiências do Estado no campo de desenvolvimento social e
econômico de uma região. Foi fundada em 1980, sem fins lucrativos, após uma
mobilização de agricultores do semiárido. A manifestação ocorreu no final da
década de 70, quando trabalhadores viajaram até Salvador para pedir o fim do
imposto que pagavam ao vender em feiras livres o produto excedente da sua
agricultura de subsistência caseira. Apesar da força do movimento, o então
governador da Bahia não atendeu a reivindicação dos agricultores.
Apesar da falta de suporte por
parte do Estado, e a falta de um resultado prático e imediato, a
manifestação foi bastante importante para que os agricultores pudessem perceber
a sua capacidade de organização. Juntos, começaram a pensar em uma solução, e é
a partir daí que nasce a APAEB.
Atualmente, a APAEB mantém mais de
450 empregos diretos, movimenta milhões de reais na economia local, e continua
lutando pelo desenvolvimento sustentável da região sisaleira. Com tudo isso, a
associação consegue manter o trabalhador no campo em condições dignas de
vida.
A nossa última visita do primeiro dia
de nossa "excursão sisaleira" foi à cidade de Santa Luz, mais
especificamente à Rádio Comunitária Santaluz FM. Responsabilidade social e
comunicação participativa, pelo que pude perceber, são os dois pilares que
orientam o trabalho da Radio Santaluz Fm. Com uma história bastante rica em
detalhes, até mesmo um livro já foi lançado sobre, a Santaluz FM é fruto de
muita luta e resistência para a promoção de uma comunicação descomprometida de
interesses pessoais e políticos. Desde sua fundação, no ano de 1998, a rádio
acredita no acesso à informação como um importante componente para o
desenvolvimento social. Um exemplo disso foi a sua contribuição para a
erradicação do trabalho infantil na região do sisal, um problema que durante
muito tempo atingiu, e ainda atinge, várias cidades do semiárido baiano.
Através de matérias contínuas que
denunciavam casos de exploração do trabalho infantil, a rádio contribuiu para o
aumento de discussões de políticas públicas que vieram solucionar a situação
das crianças da região. Atualmente, segundo os profissionais da rádio que
também são moradores da cidade, a situação é completamente diferente.
Apesar de todos os avanços, os
profissionais da santaluzfm ainda têm muito pelo que lutar. Na rádio, ficamos
sabendo de um grande problema que assola a cidade de Santa Luz atualmente: a
prostituição infantil. Segundo os moradores, o problema foi gerado por conta da
implementação de uma nova mineradora na região. Após a chegada de vários
funcionários da mineradora à cidade, a prostituição de jovens mulheres e também
de meninas cresceu bastante. A falta de oportunidades para os jovens e a situação
precária de muitas famílias, são colocados como os principais motivos.
Canudos
Seguimos rumo a um dos lugares mais
esperado da viagem, pelo menos para mim, Canudos. Debaixo de um sol fervilhante
(o mais quente que já pude experimentar), adentramos a um dos cenários mais
intrigantes desse país, o Parque Estadual de Canudos. O parque é o local exato
onde ocorreu um dos maiores massacres já noticiado pelas bandas do nordeste, 20
mil sertanejos foram mortos pelo exército brasileiro, no episódio que ficou
conhecido como "Guerra de Canudos". Toda essa história, até os dias
de hoje, causa muita curiosidade e fascínio.
A Guerra de Canudos foi um conflito
armado, ocorrido entre 1896 e 1897, entre o Exército Brasileiro e miseráveis
nordestinos, liderados pelo "beato" Antônio Conselheiro, na
então comunidade de Canudos, semiárido baiano.
Historicamente, a região de canudos
era caracterizada por grandes latifúndios, comandada por fazendeiros, secas
cíclicas e desemprego crônico. Na época, a conjuntura do lugar era de uma grave
crise econômica e social. Milhares de sertanejos e ex-escravos vagavam pelo
sertão da Bahia. Foi nessas circunstâncias, que se acendeu um movimento
popular, em canudos, liderado pelo peregrino Antonio Conselheiro, unidos na
crença de salvação milagrosa que pouparia os sofridos habitantes do sertão do
pesado clima seco e da exclusão econômica e social que viviam.
Esse movimento foi totalmente
reprimido por fazendeiros da região e consequentemente pelo Exército do
Brasil, que após muitas batalhas, e muita resistência por parte dos sertanejos,
conseguiram a destruição total de canudos.
Como um verdadeiro museu a céu
aberto, o parque abriga e preserva vários pontos que representam bastante guerra. A exemplo, o
Vale da Morte, onde os militares sepultavam seus mortos, o Vale da
degola, onde chefes do exército mandavam cortar os pescoços de jagunços
capturados, e Alto de Maio, onde morreu Antonio Moreira César, um dos mais
importantes comandante da guerra.
Na visita, passamos por praticamente
todos os pontos importantes para a história do local. Porém, para mim, o lugar
mais significativo não foi nenhuma trincheira ou ponto de morte e luta. As
ruínas da igreja de Belo Monte, foi o local que de fato chamou a minha atenção
e me fez compreender um pouco da riqueza de tudo o que estava diante dos meus
olhos. Construída por Antonio Conselheiro, a igreja foi destruída pelo exército
e depois submersa pelo açude da cidade. Porém, com os períodos prolongados de
seca, as ruínas se mostram. Tomei esse acontecimento como um símbolo do que foi
a guerra de canudos, do que é o povo nordestino, o símbolo do da resistência.
Após anos, a igreja ainda está lá, forte, brava, representando os seus
"filhos" que ali foram enterrados, seus crimes: desejaram uma vida
digna. Canudos não foi destruída, Canudos ainda vive, está lá a igreja que não
me deixa mentir.
"O sertanejo é, antes de
tudo, um forte." Euclides da Cunha.