Por Vanessa Matos
Na
última visita, como acontecerá nas próximas, os esforços da disciplina estão no
sentido de documentar a memória de Acupe a partir do ponto de vista de pessoas
que vivenciam o lugar. Os relatos desses sujeitos, portanto, compreendem as
circunstâncias econômicas, políticas e sociais nas quais se inserem naquele
território.
Foram
quatros encontros agendados naquela semana: um pescador aposentado, o simpático
“Gordão”, uma funcionária recém-saída da E. E. Castro Alves, a alegre Maria
Gersonilda, uma moradora antiga do lugar e o dono de um armazém que possui
pequena coleção de artefatos da época do engenho. O primeiro depoimento conseguido, no entanto,
não estava na ordem do dia: Sr. Antônio, cuja imagem ele próprio afirma já ter
sido exibida no mundo todo, é um antigo morador do morro Alto do Cruzeiro. Homem simples, de estatura média e poucas
palavras, aparentava ter entre setenta e oitenta anos, contou que foi um dos primeiros moradores
daquele local.
Com
base em seu depoimento e nas próprias condições do local, nota-se que os
primeiros habitantes do Morro Alto do Cruzeiro vieram de cidades vizinhas ou de
outros distritos de Santo Amaro, principalmente pescadores e marisqueiras em
busca de trabalho. Parte do relevo foi modificado na construção de casas e, até
então, não recebeu nenhuma atenção da prefeitura tanto no sentido de
infraestrutura quanto na conscientização e preservação por parte dos moradores
em relação ao ambiente natural. Infelizmente, tive que me contentar com uma
breve vista do mangue e da Baía de todos os Santos, pois meu sapato não estava
adequado à caminhada pela terra íngreme.
No
meio tempo, consegui algumas respostas a mais com o ativo senhor. Ele viera à
Acupe há cinquenta anos para trabalhar. Nascera e fora criado em Saubara e entre
uma atividade e outra, acabou formando família no distrito da Acupe, mas diz
que pretende deixar a casa para o filho e voltar à cidade natal, onde tem irmã,
outros filhos e netos. Apesar da idade já pesar em suas feições, ele se recusa
a sentar um minuto e mesmo que não vá mais à pescaria com frequência, não
descansa em casa, na ânsia de ter algo no que se ocupar. Após a conversa com Sr.
Antônio, o restante da equipe se dirigiu ao alto do cruzeiro, de onde é
possível avistar a cidade de Salvador.
Com base na descrição dos colegas, na
gravação, Maria Gersonilda falou sobre as dificuldades do distrito: há 15 anos
Acupe tenta a emancipação, mas a sede não permite, segundo a entrevistada,
porque depende dos subsídios de alimentação e impostos do distrito. Há uma
mentalidade coletiva relativamente coesa sobre o fato. Não há investimentos em
infraestrutura no lugar, como agência de correios e bancos, ou mesmo postos de
saúde minimamente equipado, o que acirra a disputa. Contudo, a consciência que
alimenta o sentimento de pertencimento àquela terra reforça as relações de
identidade a ponto dos moradores não se reconhecerem “santo-amarenses”.
Descemos
ao porto, a maré estava baixa. Como pescador aposentado, Gordão, que falou
basicamente acerca de assunto sobre a economia da pesca. O que se percebe é que
a pescaria é um ofício que permite levar uma vida segura, afinal ele mesmo
sustentou quatro filhos com o trabalho, no entanto, os pescadores carecem de
mais orientação sobre administração do orçamento familiar. O governo paga R$
600,00 a cada seis meses, no período de reprodução dos peixes, pois a pesca é
proibida nessas ocasiões e o Banco do Nordeste oferece empréstimos para a troca
das canoas de madeira de lei por barcos de fibra de vidro e com motor. (O IBAMA
está envolvido na ação, proibindo a derrubada aleatória de árvores). Contudo,
são ações pouco eficazes em longo prazo, porque são isoladas. Segundo ele, o
pescador consegue até R$ 100,00 por dia de trabalhado, porém poucos sabem investir
parte dessa renda em benefício do próprio trabalho. O resultado são os
crescentes gastos com bebidas nos bares que aumentam, em número, por todo o
distrito e principalmente próximo ao porto.
De
maneira geral, os três entrevistados manifestaram algum tipo de esperança com a
chegada de novos moradores em Acupe. Os turistas se identificam com a tranquilidade
e beleza do local a ponto de decidir comprar ou construir casa ali, outros
resolvem prestar assistência à população (o caso de uma Italiana que financiou
a construção de uma creche). Parece que essas pessoas veem o valor simbólico do
local e isso motiva os conterrâneos a continuarem sonhando e fazendo suas
partes para um amanhã melhor.
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